A cultura do remix (por Johan van Haandel)


Um famoso teórico da comunicação chamado Lev Manovich define a cultura atual como a "cultura do remix". Ela foi iniciada nos anos 70 e encontra-se atualmente em seu ponto máximo. Sua primeira forma de expressão foi a música, agora ela se encontra em diversas outras formas como cinema, moda etc.

Remix é uma nova mixagem dada a determinada música. Em seu início, nos anos 70, os remixes eram versões longas de músicas (geralmente dançantes) para serem mixadas nas pistas de dança pelos DJs. A primeira música a ser considerada como remix foi produzida por Tom Moulton em 1972.

Com o tempo os remixes passaram a fazer sucesso tanto quanto a versão original. Um dos primeiros êxitos no Brasil foi "I'll be holding on" do cantor Al Downing em uma versão longa feita pelo DJ Tom Moulton no início de 1975. A música ficou conhecida como o "Melô do banjo" graças a parte final incluída pelo DJ Moulton ao final da música. Ela tocava bastante na Rádio Mundial AM 860 KHz do Rio(*), das organizações Globo, conisiderada a vovó das rádios jovens do Brasil. Aliás, o termo "melô" surgiu nela. Como os locutores se enrolavam para falar o nome em inglês das músicas eles pegavam um trecho marcante da música e a batizavam como "melô" desta coisa. Foi pelo seu solo de banjo a música do Al Downing ficou conhecida como o "Melô do banjo".

Graças ao grande sucesso das discotecas no final dos anos 70 os remixes longos ganharam lugares cativos no rádio aos finais de semana. No Rio, por volta de 1978, a recém criada Rádio Cidade tinha um programa de disco music chamado "Cidade Disco Club" no qual o DJ Ivan Romero mixava os sucessos do momento. O fato do DJ mixar com perfeição duas músicas chamou a atenção de um adolescente de 14 anos que era assíduo frequentador de bailes funks. Nessa época os DJs dos bailes não mixavam músicas "na mesma batida", ao terminar uma faixa eles cortavam logo para a outra. Esse adolescente passou a treinar com toca discos em sua casa a técnica de mixar duas faixas de funk "na mesma batida" e levou essa técnica para os DJs dos bailes. Como esse adolescente vinha de um lugar bem distante dos bailes os DJs brincavam dizendo que ele vinha lá da terra da Malboro (referência ao comercial de cigarros da Marlboro) por isso ele ganhou o nome de DJ Marlboro.

Nesse meio tempo, nos Estados Unidos, os bailes blacks, nos quais os primeiros remixes tocavam, começaram a ter DJs performáticos, que queriam mostrar sua perícia no comando das pick ups. Eles faziam malabarismos com trechos de canções. Um desses malabarismos era tocar um trecho de música nos dois vinis por vez, alternando a ordem através do mixer, técnica chamada de back 2 back, na qual o DJ Grandmaster Flash era pioneiro e grande fera! Outra técnica que era aperfeiçoada nessa época era o scratch, que também foi criada por um adolescente frequentador dos bailes, mas que era de Nova York. Em 1971 ele estava ouvindo música quando sua mãe o chamou batendo na porta, para ouvi-la melhor ele parou abruptamente o LP com a mão, dando o som característico do scratch. Empolgado com o que ouviu passou a treinar e levou a idéia aos DJs da cidade e a nova técnica se espalhou rapidamente. Graças a criação recebeu o nome de Grand Wizard Theodore (Grande Mago Theodore).

A necessidade de ter músicas com batidas sincronizadas para facilitar as mixagens e as performances levou o pessoal da música black ao Kraftwerk. Os sons do álbum "Trans-Europe Express" eram bastante usados para performances de back 2 back no final dos anos 70. Essa técnica de uso de um trecho de canção para criação de outra coisa levou o pessoal da música black a criar músicas com trechos de outras. Nascia a cultura do sample. Um novo tipo de remix, que consiste em uso de amostra de uma música em outra. O primeiro rap a fazer muito sucesso, "Rapper's delight" do Sugarhill Gang (1979), já vinha com a idéia do sample, trazendo sampleada o baixo e a batida da música "Good times" do grupo Chic, sucesso meses antes. A idéia de sampleagem ganhou mais força ainda com o grande sucesso de "Planet rock" de Afrika Bambaataa (1982), música que redefinou os rumos do funk ao trazer a batida quadrada de "Numbers" com a melodia gélida de "Trans-Europe Express", ambas do Kraftwerk. Nascia assim o funk moderno (chamado de electro-funk), que iria inspirar vários outros artistas não só do black, mas de diversos estilos musicais.

Nos anos 80 começou a ganhar espaço novas formas de remixes. Não bastava criar só uma versão longa. Os DJs e produtores começavam a brincar com as músicas, graças ao barateamento dos processos de gravação. Surgiam dessa forma as versões Dub, Extended e radio Edit (reduzida para ser tocada no rádio). Foi nesse cenário que os remixes passaram a ser feitos nas terras tupiniquins. DJs e produtores como Iraí Campos, Liminha, Grego, Marcello "Memê" Mansur e Julinho Mazzei passaram a retrabalhar sucessos nacionais das gravadoras majors (CBS, Emi e WEA eram as que mais faziam remixes na época). Esses remixes eram tocados não só nas boates (em versões longas e dançantes para serem mixadas pelos DJs) mas também no rádio como uma versão diferenciada do "hit do momento". Foi graças a versão remix de "Louras geladas" que o RPM começou a ser tocado nas rádios na primeira metade de 1985.

O passo seguinte da evolução do remix foi o começo de assinaturas dos DJs/produtores para as suas re-mixagens. Com a diversificação de estilos de músicas eletrônicas dançantes, O intuito maior era indicar, pelo nome do DJ/produtor, que gênero da e-music tal remix fazia parte. Exemplos: "Masters At Work Club Mix" indicava remix house em versão estendida para ser tocada nos clubs (boates), "Thunderpuss Radio Edit" indicava remix house tribal em versão reduzida para ser tocada no rádio, "Moby's Subway Mix" indicava remix techno (o "Subway" é apenas um nome de batismo para esse remix, não quer dizer nada). Artistas começaram a lançar vários remixes de seu hit e com a assinatura dos DJs/produtores o sonoplasta (DJ ou radialista) sabia qual era a versão que queria, de acordo com o gênero que toca em sua apresentação (set musical).

Com a introdução da edição via computador, não-linear, DJs e produtores puderam experimentar novas mixagens mais elaboradas, nas quais usam-se tantos samples e os mixam tanto que o ouvinte perde a referência do que está sendo tocado.. Como exemplo, produtores que usam este tipo de técnica são os Chemical Brothers. De acordo com o teórico Eduardo Navas, este tipo de remix é chamado reflexivo, pois busca uma autonomia, escapando da identificação da versão "original" do sample, fazendo que o ouvinte tenha uma visão crítica em relação à obra.

São estes os processos que vemos hoje em dia não só na música eletrônica ou black, mas infiltrados na música contemporânea, em seus diversos segmentos.

(*) A rádio virou a CBN em 1993 e retornou em maio de 2008 como uma rádio retrô: http://www.mundial.am.br

Crédito: Johan van Haandel, mestrando em comunicação e semiótica pela PUC-SP

1 comentários:

  gshgsh

12 de dezembro de 2008 às 15:20

Muito legal o texto, não conhecia muito sobre as origens das técnicas e tal, bem interessante!